E por que não sonhar?

E você estava
Esperando voar
Mas como chegar
Até as nuvens
Com os pés no chão...
Eu era um lobisomem juvenil - Legião Urbana
Dado Villa-Lobos/Renato Russo/Marcelo Bonfá

2.3


22 de dezembro, um dia atípico, certamente. O meu número passara a ser vinte-e-três, e o 3, tomava o lugar do 2 me contrariando bastante. Não que eu achasse de todo mal completar verões, mas porque 22 se tornou o meu número preferido, o que adquiriu mais significado nos meus, agora, 23 anos de vida incompletos. Aos vinte-e-dois perdi-me de amor, e isso me era poético, dois e dois.

Abri os olhos com os versos de Fernando Pessoa a perambular por entre os meus turvos pensamentos: “No tempo em que festejavam o dia dos meus anos, Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma”. No tempo em que festejavam... Fes-te-ja-vam. Neste ano não haveria festa. O primeiro em que nada fora programado. E eu possuo saúde o suficiente para perceber este detalhe. Eu não estava para comemorações, mas ainda assim, este fato me incomodava. Eu não queria festa, mas eu também não queria que os meus necessários tivessem aceitado este pedido tão facilmente, sem nem tentar, ao menos, dissuadir-me. Conformei-me com o inevitável, não existiria bolo, velinhas e gente cantando o parabéns-pra-você para mim.

- Oras, o que mais poderia querer-se? Ser contrariada? Isto era contraditório. Uma pessoa querendo que o seu próprio pedido não se realizasse. Faça-me o favor, Raquel, você e suas contradições outra vez! Apronte-se e vá trabalhar, é o melhor que você faz. E, a propósito, ele não vai se lembrar – discuti com a Raquel dos 22.

Para variar, cheguei à minha lavoura cibernética atrasada. O leitor de digitais indicava 8h23min. Quanta ironia – pensei – 23! Segui meu curso em direção à minha cela, como costumo dizer. Destranquei a porta, acendi a luz, liguei o arcondicionado e o computador para mais um dia de labuta. Sentei-me na cadeira que é destinada a mim e que eu detesto por me causar dores musculares fortíssimas, quem sabe poderiam trocar-me a cadeira em meu aniversário? Disseram-me que estavam, apenas, esperando que a nova chegasse. Seria um contentamento para o meu dia. Mas antes mesmo de o ruwindows iniciar, uma das minhas estrelas adentrou a sala com um sorriso e um olhar que dispersaram a minha escuridão. Carregava consigo um cartão e um artesanato, uma vilinha interiorana ‘malabaricamente’ colocada dentro de uma garrafa! Presenteou-me. Ela mesma estava retratada ali, a simplicidade, que era o espírito desta minha estrela. Depois disto a minha sala parecia uma constelação, todos os meus astros foram me ver e os presentes não pararam: um anjinho, uma bijuteria, uma boneca de pano, um livro, perfumes, lingeries, nécessaires e até flores!

Flores pelas quais o meu coração saltou para a garganta, quando a recepcionista abriu a porta e deixou que o entregador as desse em mãos, em minhas mãos. Ai, meus Deus, de quem poderiam ser? Será que ele lembrara-se de mim? E fui tremulamente abrindo o cartão. Suspirei, não eram dele –pensamos que fomos importantes demais, não é mermo? Bem, não eram dele e não posso negar que as primeiras flores que recebi não me alegraram como eu imaginei nos meus sonhos de meninarréa. Eu já estava em prantos, pela emoção causada pela chuva de carinhos, mimos, desejos e sorrisos, que continuei assim, chovendo junto com eles.

E, lavada, por minha própria chuva, com os pensamentos limpos, pude perceber a grandeza de tudo o que estava acontecendo comigo. Gigantescas surpresas o meu dia, 22, reservou-me. As flores não foram dele e, agora, sei que de pessoa melhor não poderiam ter sido. O presente não foram as flores, que murchariam e sim o “quem ganhou o presente fui eu, por ter você em minha vida” que estava escrito no cartão.

Assim como não foram o artesanato, que poderia se quebrar, nem o anjinho, que eu poderia perder, nem a boneca de pano, que poderia se descosturar, nem o colar colorido, que poderia se desfazer, nem o livro, que poderia se rasgar, nem as lingeries, que estavam fadadas a serem trocadas, e muito menos as nécessaires as verdadeiras dádivas e sim as palavras que não se quebrarão, perderão, descosturarão, desfarão, rasgarão ou serão trocadas, que vieram com os presentes.




E o abraço, molhado e soluçado, isento de palavras, que eu ganhei que tinha as nécessaires como acompanhamento. Além dos outros inúmeros mimos e carinhos, como o primeiro e-mail que li no dia 22 vindo de uma parte minha que mora em outro estado, cujo título era “Primeiro eu” e eu não poderia esquecer-me do sms que me chegara à 1h34min da madrugada e que me arrancara um sorriso sonolento. Foram estes os tesouros que me ofertaram durante o dia e eu voltei para casa me sentindo como nunca antes, parecendo a Mamãe Noel e com o coração em êxtase. Não tinha havido a festa, nem a que eu costumava ter no trabalho, porém eu não poderia ter me sentido mais querida e realizada.

Ao chegar em casa encontrei meus pais ainda lá, causando-me espanto, pois eles tinham um compromisso com o grupo de oração deles, o que era também um dos motivos para não haver a minha festa. Recebi os meus abraços, beijos e congratulações dos meus necessários, e fui logo contando a história de cada um dos presentes com os quais eu chegara. Todos ficaram maravilhados com o relato de como fora o meu dia, de como eu estava feliz com tudo aquilo e, para minha surpresa, papai, mamãe e o melhor irmão do mundo deram-me de presente o aparelho de DVD que lê DviX que há tempos eu os importunava para comprar =D. Como se já não fosse o bastante, meus tios e meu chefe com a família chegam trazendo uma torta de chocolate e uma sobremesa, tudo doce como eu preferia! E a in[esperada] festa se fez ali, no improviso, com direito a velinha e parabéns-pra-mim.

Os meus pais tinham um compromisso e precisavam ir, porém deixaram-me em boa companhia. A noite foi agradável com muitos risos e histórias de outrora. Eu estava FELIZ. Já haviam sido tão generosos comigo que eu não me considerava merecedora de tanto. Mas eu acho que Deus, realmente, queria me falar algo mais naquele dia e meu tio pediu-me para que eu ouvisse isto, o que, certamente, foi um dos mais valiosos presentes do dia, um presente para o meu espírito!

Encerrei o meu dia 22 de dezembro de 2009 sentindo falta do "parabéns" dele e digitando um texto com os meus dedos de não mais 22 anos de idade que foi publicado e posteriormente retirado. Retirado, porque, não sabia eu, eu ainda precisava viver o 23, eu precisava ser 23, para publicá-lo.

No dia 23, aos 23 anos um e-mail enviado para o meu trabalho na noite anterior foi lido. Era mais uma espécie de “eu me lembrei” do que qualquer outra coisa. Ele lembrou-se, o que já considerei de bom tamanho, devido às circunstâncias. A minha falta dispersou-se e eu me senti importante naquela manhã 23, ainda mais quando um dos diretores foi, pessoalmente, convocar-me para uma reunião devido a uma grande falha cometida por mim em uma apresentação muito importante. Na tal reunião encontrei uma boa galera reunida única e exclusivamente para comemorar os meus 23 anos no dia 23 de dezembro. Outra festa e outro parabéns-pra-mim. Onde recebi mais palavras doces e de pessoas que eu não imaginava que me viam como descreveram. Senti-me até uma pessoa legal, de verdade.

E tudo isso foi em um dia dos meus 23 anos, minha gente, vinte-e-três.

- É, Raquel você é, sim, muito importante – disse a Raquel dos 23.

Exausta!


Cansada.
Daquilo que me cerca, daquilo que me preenche.
Eu queria férias de mim =/

Beije-me

Beije-me sob o crepúsculo. 
Leve-me pra fora, no chão iluminado pela lua.
Levante sua mão aberta, faça a banda tocar e faça os vaga-lumes dançarem. 
A lua prateada está brilhando, então me beije.

Naquele dia acordara diferente, mas o dia transcorrera como um dia qualquer, sem grandes acontecimentos ou novidades: lar, trabalho, e, logo mais, aula. Pegou sua mochila, a qual apelidara de casco, pois a via como sua casa itinerante, retirou de dentro dela sua bomba de combustível, popularmente chamada de mp3 para abastecer-se com os harmoniosos sons armazenados no seu potente reservatório de 1Gb! Músicas apaixonadamente selecionadas que com amor eram ouvidas. Colocou os fones nos ouvidos, a pesada casa nas costas e encaminhou-se para a faculdade.

Ainda era cedo e faltava muito para o tulmutuador das suas borboletas chegar, e, como de costume, foi para o campo de futebol. Gostava de ficar nas arquibancadas esperando por seu benquerer enquanto entretinha-se testando o seu inglês ao tentar traduzir as músicas que ouvia. Mas, naquele dia, justamente, o campo estava livre. Não havia ninguém por perto. Ela estava só. Defronte a um gramado sobre os quais já eram para estar projetas as luzes dos refletores, mas não havia sinal de que isso aconteceria. Pois o crepúsculo já estava adiantado e o sol, a julgar pela claridade, já estaria perto de se encobrir totalmente. Estava anoitecendo. Não resistiu ao impulso de olhar o céu mudar de cor e presenciar as estrelas se acenderem em um local tão propício! Correu para o centro do campo e deitou-se feliz da vida jogando a sua mochila para o lado e sentindo-se com uma satisfação gostosa como desde que suas borboletas passaram a voar não conseguia mais sentir.

Olhou para o céu, Sixpiense começara a cantar, a lua lhe sorriu, as estrelas iam lhe surgindo com seus cintilados exuberantes, frenéticos. Começou a sussurrar a letra da música que ouvia, ou pelo menos, as partes que conseguia extrair com o seu parco inglês. E foi tomada pelo forte desejo de que o seu menino estivesse ali ao lado da menina que era dele, mas que ele não sabia que possuía. Fechou os olhos por uns instantes para conter a lágrima e com o coração menos leve em sincronia com a voz em seus ouvidos, disse: "Beije-me".

- Como, menina?

Se ela não acreditava em magia passou a acreditar à medida que suas borboletas alçavam vôo e seu coração tentava sair do peito. Levantou-se rapidamente e deparou-se com um sorriso mais cheio que o da lua e duas estrelas mais lindas e cintilantes que as do firmamento, docemente postas em um rosto lívido de menino-sério a apenas 1,80 m do chão, sobre um corpo magro e firme. Estavam simplesmente ao seu alcance.

Éh!!! Ao alcance de sua mão! Ela poderia tocá-las, e tê-las e... beijá-las. A lua sorridente e as estrelas frenéticas estavam ali bem diante dela, a fitar-lhe nos olhos num entendimento mútuo. E, sem deixar mais um verso passar disparou:

- Beije-me sob o crepúsculo, faça a banda tocar, a lua nos ilumina...

- Uma banda não toca com um só instrumento, meu coração já tamborila cá dentro e precisa de outro para tornar-se música.

- Chega mais perto. Podes ouvir? Bate no mesmo compasso que o teu.

- Música. A nossa música. Aceitas o convite para uma dança?

- Beije-me - lho sorriu.

Dançaram o beijo mais doce de suas vidas ao som de seus corações, sob o brilho das estrelas e a benção alegre da lua.

Ela com o gosto dele na boca, ainda sem acreditar, perguntou-o:

- Isto é mágica? Não era para você estar aqui e ao mesmo tempo era.

- Acredito que possas chamar ‘isto’ desta maneira. Meu amigo chamaria de "caroninha esperta". Eu prefiro chamar de providência divina, pois sempre fui teu sem saber que também eras minha. Estás diferente, me deixaste ler-te. Agora eu sei.

E na terra dos gigantes...

... o tempo anda sumindo!


Presente ausência

Sabes, benzinho, preciso de ti. Incontáveis vezes eu tentei retirar-te de mim, ou pelo menos mover-te da ala perigosa do meu coração para uma mais amena. Não tenho conseguido, podes perceber ao ler-me, mesmo sem que eu te procure ou me faça presente. Apesar de estares longe permaneces em mim. É certo que não te tenho mais, como antes, em meus pensamentos o dia todo todos os dias, mas ainda és dono de muitos deles. Não consigo ver algo belo sem que eu te lembre, creio que isso se deve ao teu sorriso, é mágico e deverias praticá-lo mais.

Ah, meu bem, como me fizeste falta nos últimos dias! O remédio para toda mágoa que transbordou de mim, certamente, seria teu riso iluminado! Busquei a tua luz por todos os recantos do meu ser, mas só encontrei saudades turvas. Nenhum resto do ungüento que jorrava de ti, único capaz de curar meus cortes. Sem ti hei de perecer, ou do mal do mundo ou do mal de amores.

Querido, por que acabamos assim? Queria ter-te outra vez. Não, queria ter-te, ao menos, uma vez, como tu nunca te deste a mim. A tua presença me reconfortava, e, até o frio produzido pelas borboletas que se alvoroçavam no meu estômago ao ouvir tua voz a chamar-me, me enchia de vida. Sinto falta delas, nunca mais voaram dentro de mim. E o teu sorriso, (ah... o teu encanto), este tinha o dom de lançar arco-íris em mim, pintava de dia a minha noite. Sinto falta também das minhas noites-dia coloridas, as cores sumiram junto contigo e, agora, o colorido dos meus dias está desbotando, tornando-se meio noite.

Rogo-te, chéri! Vem somente mais uma vez! Traz-me um novo fôlego! Enche-me os pulmões com o teu ar!

Tu não vais vir, não é mesmo? Não te faz falta a que fui. Apenas nisso tu me dói, rapaz.

"E tanto faz.. de tudo o que ficou,
Guardo um retrato teu,
e a saudade mais bonita."
Renato Russo

Esperando o dia de esperar ninguém

Olha bem aqui!

Aqui, nos meus olhos.

Veja se ainda é possível ver a fumaça que dará lugar ao vazio, onde antes havia a chama. O fogo que aquecia a minha alma, aquele que tu mesmo acendeste e que, de maneira tão leviana, apagastes. Não sei como podes fazê-lo sem queimar-te, sem causar danos a ti também. Ou melhor, sim, bem sei como. És mais forte que eu e, posso ver agora, tua personalidade não mudou, ainda é vil. Deste esperança a mim, mês após mês me alimentaste com frágeis promessas sobre as quais edifiquei sonhos, o meu lugar no futuro. E, num gesto egoísta, com um sopro desfizeste o meu alicerce. Tomastes outra vez o que me destes e que era meu por direito.

Esgotaste-me as forças. Estou seca. Deixaste-me seca, sem abrigo sobre os meus escombros. E, como se não te bastasse o mal que me causaste ainda me forças a permanecer aí, dentro da tua vileza, pois sabes que me amarraste as mãos e as pernas e não tenho como livrar-me tão cedo.

Mas ainda sobraram-me os olhos, os ouvidos e a boca. Podes ter impedido-me de me mover, mas não vais conseguir sufocar o meu grito. E, quando eu estiver cheia outra vez, não vais alcançar o meu voo.

Não fui feita para servir a ti. Sou bem maior. Meus olhos foram feitos para brilhar e a minha alma para arder.