22 de dezembro, um dia atípico, certamente. O meu número passara a ser vinte-e-três, e o 3, tomava o lugar do 2 me contrariando bastante. Não que eu achasse de todo mal completar verões, mas porque 22 se tornou o meu número preferido, o que adquiriu mais significado nos meus, agora, 23 anos de vida incompletos. Aos vinte-e-dois perdi-me de amor, e isso me era poético, dois e dois.
Abri os olhos com os versos de Fernando Pessoa a perambular por entre os meus turvos pensamentos: “No tempo em que festejavam o dia dos meus anos, Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma”. No tempo em que festejavam... Fes-te-ja-vam. Neste ano não haveria festa. O primeiro em que nada fora programado. E eu possuo saúde o suficiente para perceber este detalhe. Eu não estava para comemorações, mas ainda assim, este fato me incomodava. Eu não queria festa, mas eu também não queria que os meus necessários tivessem aceitado este pedido tão facilmente, sem nem tentar, ao menos, dissuadir-me. Conformei-me com o inevitável, não existiria bolo, velinhas e gente cantando o parabéns-pra-você para mim.
- Oras, o que mais poderia querer-se? Ser contrariada? Isto era contraditório. Uma pessoa querendo que o seu próprio pedido não se realizasse. Faça-me o favor, Raquel, você e suas contradições outra vez! Apronte-se e vá trabalhar, é o melhor que você faz. E, a propósito, ele não vai se lembrar – discuti com a Raquel dos 22.
Para variar, cheguei à minha lavoura cibernética atrasada. O leitor de digitais indicava 8h23min. Quanta ironia – pensei – 23! Segui meu curso em direção à minha cela, como costumo dizer. Destranquei a porta, acendi a luz, liguei o arcondicionado e o computador para mais um dia de labuta. Sentei-me na cadeira que é destinada a mim e que eu detesto por me causar dores musculares fortíssimas, quem sabe poderiam trocar-me a cadeira em meu aniversário? Disseram-me que estavam, apenas, esperando que a nova chegasse. Seria um contentamento para o meu dia. Mas antes mesmo de o ruwindows iniciar, uma das minhas estrelas adentrou a sala com um sorriso e um olhar que dispersaram a minha escuridão. Carregava consigo um cartão e um artesanato, uma vilinha interiorana ‘malabaricamente’ colocada dentro de uma garrafa! Presenteou-me. Ela mesma estava retratada ali, a simplicidade, que era o espírito desta minha estrela. Depois disto a minha sala parecia uma constelação, todos os meus astros foram me ver e os presentes não pararam: um anjinho, uma bijuteria, uma boneca de pano, um livro, perfumes, lingeries, nécessaires e até flores!
Flores pelas quais o meu coração saltou para a garganta, quando a recepcionista abriu a porta e deixou que o entregador as desse em mãos, em minhas mãos. Ai, meus Deus, de quem poderiam ser? Será que ele lembrara-se de mim? E fui tremulamente abrindo o cartão. Suspirei, não eram dele –pensamos que fomos importantes demais, não é mermo? Bem, não eram dele e não posso negar que as primeiras flores que recebi não me alegraram como eu imaginei nos meus sonhos de meninarréa. Eu já estava em prantos, pela emoção causada pela chuva de carinhos, mimos, desejos e sorrisos, que continuei assim, chovendo junto com eles.
E, lavada, por minha própria chuva, com os pensamentos limpos, pude perceber a grandeza de tudo o que estava acontecendo comigo. Gigantescas surpresas o meu dia, 22, reservou-me. As flores não foram dele e, agora, sei que de pessoa melhor não poderiam ter sido. O presente não foram as flores, que murchariam e sim o “quem ganhou o presente fui eu, por ter você em minha vida” que estava escrito no cartão.
Assim como não foram o artesanato, que poderia se quebrar, nem o anjinho, que eu poderia perder, nem a boneca de pano, que poderia se descosturar, nem o colar colorido, que poderia se desfazer, nem o livro, que poderia se rasgar, nem as lingeries, que estavam fadadas a serem trocadas, e muito menos as nécessaires as verdadeiras dádivas e sim as palavras que não se quebrarão, perderão, descosturarão, desfarão, rasgarão ou serão trocadas, que vieram com os presentes.
E o abraço, molhado e soluçado, isento de palavras, que eu ganhei que tinha as nécessaires como acompanhamento. Além dos outros inúmeros mimos e carinhos, como o primeiro e-mail que li no dia 22 vindo de uma parte minha que mora em outro estado, cujo título era “Primeiro eu” e eu não poderia esquecer-me do sms que me chegara à 1h34min da madrugada e que me arrancara um sorriso sonolento. Foram estes os tesouros que me ofertaram durante o dia e eu voltei para casa me sentindo como nunca antes, parecendo a Mamãe Noel e com o coração em êxtase. Não tinha havido a festa, nem a que eu costumava ter no trabalho, porém eu não poderia ter me sentido mais querida e realizada.
Ao chegar em casa encontrei meus pais ainda lá, causando-me espanto, pois eles tinham um compromisso com o grupo de oração deles, o que era também um dos motivos para não haver a minha festa. Recebi os meus abraços, beijos e congratulações dos meus necessários, e fui logo contando a história de cada um dos presentes com os quais eu chegara. Todos ficaram maravilhados com o relato de como fora o meu dia, de como eu estava feliz com tudo aquilo e, para minha surpresa, papai, mamãe e o melhor irmão do mundo deram-me de presente o aparelho de DVD que lê DviX que há tempos eu os importunava para comprar =D. Como se já não fosse o bastante, meus tios e meu chefe com a família chegam trazendo uma torta de chocolate e uma sobremesa, tudo doce como eu preferia! E a in[esperada] festa se fez ali, no improviso, com direito a velinha e parabéns-pra-mim.
Os meus pais tinham um compromisso e precisavam ir, porém deixaram-me em boa companhia. A noite foi agradável com muitos risos e histórias de outrora. Eu estava FELIZ. Já haviam sido tão generosos comigo que eu não me considerava merecedora de tanto. Mas eu acho que Deus, realmente, queria me falar algo mais naquele dia e meu tio pediu-me para que eu ouvisse isto, o que, certamente, foi um dos mais valiosos presentes do dia, um presente para o meu espírito!
Encerrei o meu dia 22 de dezembro de 2009 sentindo falta do "parabéns" dele e digitando um texto com os meus dedos de não mais 22 anos de idade que foi publicado e posteriormente retirado. Retirado, porque, não sabia eu, eu ainda precisava viver o 23, eu precisava ser 23, para publicá-lo.
No dia 23, aos 23 anos um e-mail enviado para o meu trabalho na noite anterior foi lido. Era mais uma espécie de “eu me lembrei” do que qualquer outra coisa. Ele lembrou-se, o que já considerei de bom tamanho, devido às circunstâncias. A minha falta dispersou-se e eu me senti importante naquela manhã 23, ainda mais quando um dos diretores foi, pessoalmente, convocar-me para uma reunião devido a uma grande falha cometida por mim em uma apresentação muito importante. Na tal reunião encontrei uma boa galera reunida única e exclusivamente para comemorar os meus 23 anos no dia 23 de dezembro. Outra festa e outro parabéns-pra-mim. Onde recebi mais palavras doces e de pessoas que eu não imaginava que me viam como descreveram. Senti-me até uma pessoa legal, de verdade.
E tudo isso foi em um dia dos meus 23 anos, minha gente, vinte-e-três.
E tudo isso foi em um dia dos meus 23 anos, minha gente, vinte-e-três.
- É, Raquel você é, sim, muito importante – disse a Raquel dos 23.
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