Vermelho-sangue

“Se entornaste a nossa sorte pelo chão
Se na bagunça do teu coração
Meu sangue errou de veia e se perdeu”
Eu te amo - Chico Buarque/Tom Jobim

Já tinha desistido e se dado por vencida, conformando-se com a sua derrota. Não queria mais lutar, pois todas as vezes ela saíra derrotada, ferida e fraca. E resolveu, assim, guardar entre os seus tesouros o que fingira ser indiferente por algum tempo, o coração de pano que ganhou dele.

E, tendo-o em suas mãos, pôde lembrar-se, com riqueza de detalhes, do dia em que o recebera. Era noite, enquanto os dois esperavam sentados para assistir a uma peça em frente ao teatro, chegou um simpático palhaço. Entregando a ele um coração, disse-o que se o apertasse ele cantaria. Ele pressionou o coração em suas mãos e o palhaço começou a cantar umas dessas músicas sertanejas que esbanjam declarações de amor. Isso arrancou sorrisos de ambos, pois não era bem o estilo de música que eles curtiam. Enquanto o palhaço cantava, ele gritava “Diga a ela que você a ama! Vamos, diga”. E ele, muito desconcertado, dizia para o palhaço, não para ela, “eu a amo, ela sabe, ela sabe”. Por final, o palhaço o perguntou se ele não iria dar o coração a ela. Ele, muito envergonhado, ficou calado por instantes. Ela, percebendo o embaraço dele, deu uma pancadinha em seu ombro e, sorrindo, o perguntou: “Você não vai me dar o coração?”. Ele a fitou, sorriu também e o entregou a ela. Haviam entrado em um entendimento. Ele o dera sem qualquer expectativa e ela o recebera da mesma forma. Tanto, que no dia seguinte, resolveu chamar o coração de Meu, pois, acreditava ela, se tratar do seu próprio coração, aquele que ela havia dado a ele o qual estava devolvendo. Por esta época ela travava mais uma luta contra a sua paixão, já se declarando, erradamente, vitoriosa, e, com o fato, acreditava sim, que estava com o seu coração de volta, pronta para amar a outra pessoa.

Sorriu. Passados alguns meses, agora podia ver como sempre fora ingênua. O coração que recebera naquele dia era branco, todo branco, o que dera a ele era vermelho-sangue, estava preenchido de amor e paixão. Aquele coração que possuía era o dele e o dela nunca o deixara. Com saudade dele e de si mesma pensou:

- O teu é branco, menino, misturas todas as cores. No teu branco não me acho.

3 comentários:

Pâmela Marques disse...

Antes eu tinha o branco como uma cor de paz, mas depois de te ler acho que verei como uma cor triste, vazia.

Branco é tristeza.

Unknown disse...

Lindo o texto.

Me passa seu e-mail ou msn.

Beijo!

Charles Bravowood disse...

Eu não quero mais entregar o meu coração a ninguém, dói pegar de volta, sabe? O meu coração era em branco também, novinho, mas agora ele está avermelhado como só o amor poderia ter feito ele ficar, mas não existe mais amor, só ficou a dor.

Charlie B.

beijo.