Vislumbramento

Abriu os olhos. O recinto estava escuro a única luz provinha de uma pequena fresta entre as telhas a qual projetava imagens turvas da vida deserta que acontecia do lado de fora.  Sentou-se na cama, olhou em volta e se deteve a perscrutar os ruídos de uma madrugada insossa e a luz de sombras esboçadas no chão.

Ouviu aquele burburinho de acontecimentos vazios que costumam preencher a existência de seres rasos que vagam na noite em busca de algo que os façam perceber que estão vivos. Queriam sentir, mas faltava-lhes a sensibilidade para tal.

Era isto, somente isto o que a diferenciava dos autômatos que, como ela, estavam acordados: profundidade. Possibilidades infinitas de ser e não de, apenas, existir.

Os outros que desfrutavam a pseudo-sensação de euforia e contentamento que chega quando o sol se despede e não ilumina a aridez de espírito que os cercam, viviam menos do que ela, trancada naquele quarto quieto.

Uma quietude que efervescia de sentimentos, de paixões, de vida. Estava, agora, regada por um mar de águas doces e refrescantes que a cercava e que ela ansiava mostrar e derramá-lo naquelas almas ermas, rasas, opacas e sedentas.

Era quase incontrolável a sua vontade de repartir aquela simplicidade e leveza fundamental que corria em suas veias, fazer os demais sentirem o que ela sentia, transmitir o seu entusiasmo pela vida. Ela, também, estava sedenta. Sede de gente. Sede de experiências, de contato com o ser humano e toda a troca mútua das partes de si que ocorre quando, verdadeiramente, se encontram.

Depois de muito tempo teve plena certeza do que queria. Naquele instante, o quarto pacato se iluminou, pois os seus olhos,assim como os astros de seu adorado firmamento, brilhavam. E o céu se fez ali, na terra.

Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.
Carlos Drummond de Andrade

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